Equilíbrio entre Eficácia, Custo e Qualidade de Vida: Imperativos da Medicina Contemporânea Centrada no Paciente. Quem deve pagar a conta das inovações em saúde?
A saúde, enquanto um bem essencial à dignidade humana, é também um dos setores econômicos mais complexos e onerosos em escala mundial. A análise dos custos associados aos cuidados de saúde demonstra a organização e as prioridades de uma nação ou região. Globalmente, nos últimos anos, houve um crescimento consistente dos gastos em saúde em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Esse fenômeno é decorrente de várias variáveis. A saúde tem se beneficiado enormemente das inovações tecnológicas. Dispositivos mais precisos, tratamentos avançados e medicamentos inovadores garantem uma saúde de qualidade superior, mas frequentemente a custos elevados. Além disso, a demografia mundial está em transformação. Com uma expectativa de vida crescente em muitos países, os sistemas de saúde enfrentam o desafio de atender uma população mais idosa, que geralmente requer cuidados prolongados e específicos. Paralelamente, a incidência de doenças crônicas, como diabetes, doenças cardiovasculares e obesidade, está aumentando. Essas condições demandam tratamentos contínuos e preventivos que impactam significativamente os orçamentos de saúde.(1).
Ao avaliar os custos de saúde, seja em uma perspectiva global ou nacional, observa-se a complexa relação entre bem-estar, inovação e economia. O grande desafio é equilibrar o imperativo moral de prover cuidados de saúde de alta qualidade com a realidade econômica que se apresenta. No cenário global e, mais especificamente, no Brasil, essa é uma equação que ainda busca uma solução ideal.(2)
Criado pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das maiores conquistas sociais brasileiras, oferecendo um serviço que é, teoricamente, universal e gratuito. No entanto, manter o SUS é um desafio constante. Com uma demanda crescente e orçamento frequentemente restrito, o sistema enfrenta sobrecarga e deficiências em diversos pontos. Embora este setor tenha crescido substancialmente, ele também enfrenta seus próprios desafios, incluindo debates sobre cobertura e qualidade assistencial.(3, 4)
O desenvolvimento de novos medicamentos, por exemplo, requer fases de pesquisa extensa, ensaios clínicos rigorosos e um processo demorado de aprovação regulatória. Os custos associados a esta trajetória, inevitavelmente, repercutem no preço final da inovação, seja ela um medicamento, equipamento ou técnica. Quando as inovações são introduzidas nos sistemas de saúde, os custos iniciais são significativos. Os gastos envolvem não apenas a tecnologia em si, mas também o treinamento de profissionais e a adaptação ou estabelecimento de infraestruturas adequadas. Estes custos, mais cedo ou mais tarde, são absorvidos de alguma forma pelo sistema - seja através de encargos diretos aos pacientes, maiores prêmios de seguros ou pressão sobre os orçamentos de saúde pública.(5)
Uma das ramificações mais graves da oneração associada às inovações em saúde é a emergente desigualdade no acesso aos cuidados. Em um mundo ideal, todos teriam acesso igualitário às mais recentes e eficazes modalidades de tratamento. Contudo, a realidade é bem diferente. Em muitos casos, apenas os pacientes em regiões economicamente prósperas ou países desenvolvidos conseguem se beneficiar das últimas inovações, enquanto outros, em contextos menos favorecidos, não têm essa oportunidade. Esta disparidade cria um campo de saúde desigual, onde os resultados e a qualidade de vida podem ser drasticamente diferentes com base na geografia e na capacidade financeira. Além disso, a integração de tecnologias e tratamentos de ponta pode levar à sobrecarga dos sistemas de saúde. Muitos sistemas, especialmente aqueles que são públicos e já estão operando no limite, enfrentam dilemas ao decidir quais inovações incorporar. Escolher um tratamento inovador e caro pode, em alguns casos, significar a necessidade de reduzir ou eliminar outros serviços. Estas são decisões complexas, muitas vezes envoltas em intensos debates éticos e econômicos. Até que ponto os sistemas de saúde devem ir para oferecer o que há de mais novo, mesmo que isso comprometa outros serviços?(6) (7)
Para complicar ainda mais a situação, nem todas as inovações são genuinamente revolucionárias em termos de benefícios para os pacientes. Algumas são introduzidas com grande alarde, mas oferecem pouco ou nenhum valor adicional em comparação com as opções já existentes. Estas inovações "supérfluas", impulsionadas mais por estratégias de marketing do que por avanços clínicos, podem desviar recursos preciosos de intervenções mais necessárias e comprovadas.(8)
No Brasil, a incorporação de novos procedimentos, medicamentos e tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS) é um processo criterioso e sistemático. Esta incorporação é gerenciada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). O papel principal da CONITEC é avaliar as propostas de incorporação com base em evidências científicas, levando em consideração aspectos como eficácia, segurança, efetividade e custo-benefício do procedimento ou medicamento em questão. As propostas podem ser submetidas por qualquer cidadão, além de instituições, associações e o próprio Ministério da Saúde. Após uma análise inicial, a CONITEC coloca a proposta em consulta pública, permitindo que a população e especialistas deem suas opiniões e contribuições. Com base nesses dados e em análises técnicas, a Comissão formula uma recomendação final que é encaminhada ao Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde. O Secretário, por fim, toma a decisão final sobre a incorporação da tecnologia. A CONITEC, portanto, desempenha um papel crucial na garantia de que as inovações introduzidas no SUS são não apenas cientificamente válidas, mas também economicamente viáveis e alinhadas às necessidades da população brasileira.(9)
Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) é responsável por avaliar e aprovar novos medicamentos e dispositivos médicos. Já os seguros de saúde determinam individualmente se cobrem ou não tais inovações. No Reino Unido, o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) avalia a eficácia e o custo-benefício de novos tratamentos, guiando sua adoção no National Health Service (NHS). Na Alemanha, o Federal Joint Committee (G-BA) avalia novos procedimentos. Se forem considerados benefícios adicionais, os preços são negociados entre prestadores de saúde e empresas de seguros. No Canadá, o processo é mais descentralizado, com avaliações ocorrendo tanto em nível federal (por entidades como o Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health) quanto provincial. As decisões são, em seguida, adotadas pelos programas provinciais de saúde. Em todos esses países, a ênfase está em garantir segurança, eficácia e valor agregado para o sistema de saúde e pacientes.(10)
No Brasil, a saúde suplementar refere-se aos serviços de saúde oferecidos por operadoras privadas, que incluem planos e seguros de saúde. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é o órgão regulador responsável por monitorar e fiscalizar esse setor. Ela estabelece regras para garantir a qualidade do atendimento, proteger os direitos dos consumidores e manter a viabilidade econômico-financeira das operadoras. A ANS também define o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, uma lista de tratamentos, exames e consultas que os planos de saúde são obrigados a cobrir. Periodicamente, a ANS revisa esse Rol para incorporar novas tecnologias e procedimentos, sempre considerando evidências científicas e análises de custo-benefício. Essa regulação é crucial para equilibrar os interesses das operadoras, profissionais de saúde e beneficiários, assegurando que o sistema de saúde suplementar brasileiro seja justo, acessível e sustentável. (11) (7)
Contudo a indicação e escolha final de qual material ou droga será utilizado em uma linha de tratamento é do profissional assistente, e uso inadequado e frequentemente desnecessário de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME) contribui substancialmente para o aumento dos custos em saúde no Brasil. Com relação à cirurgia robótica na colocação de prótese total de joelho, Diversos autores observaram que, enquanto esta abordagem pode oferecer benefícios em termos de precisão, os custos associados são significativamente mais elevados do que os procedimentos convencionais.(12-14)
No contexto de infiltrações, os procedimentos utilizando cânulas especiais em comparação com agulhas simples têm custos variados e ambas as técnicas apresentam eficácia similar, mas o custo das cânulas especiais é maior. Weinstein et al. (2006) no "New England Journal of Medicine" demonstraram que pacientes com dor lombar crônica submetidos a cirurgias nem sempre apresentavam resultados superiores àqueles submetidos a tratamentos conservadores.(15) (16)
A promoção do progresso médico através de técnicas avant-garde, sem sobrecarregar de forma desmedida as entidades financiadoras, demanda uma estratégia poliédrica. Inicialmente, torna-se imperativo a alocação de recursos em pesquisa e desenvolvimento que não se restrinjam unicamente à inovação, mas que também ponderem a relação custo-benefício. A incorporação de técnicas inovadoras deve ser embasada em evidências sólidas acerca de sua eficácia quando cotejadas com práticas convencionais. Cursos de atualização e aperfeiçoamento médico se fazem relevantes para auxiliar os profissionais da saúde a distinguir entre inovações de real valor e aquelas de contribuição marginal. Adicionalmente, a negociação ponderada de valores, juntamente com uma regulação perspicaz, pode assegurar que novas tecnologias sejam acessadas a preços equitativos. Conclusivamente, é imperativo promover uma cultura de medicina orientada pelo valor, onde a excelência do serviço prestado é balizada pelo custo, norteando decisões clínicas que se alinham ao bem-estar dos pacientes e à viabilidade econômica.
A indústria desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e promoção de novos dispositivos médicos em ortopedia. Esta contribuição vai além do mero fornecimento de produtos, envolvendo também o financiamento de pesquisas e a capacitação de profissionais de saúde. Contudo, é imperativo que tais interações sejam pautadas por princípios éticos e regras de compliance. A transparência é essencial para evitar conflitos de interesse. As empresas devem garantir que os estudos patrocinados sejam conduzidos e divulgados com integridade e objetividade, evitando vieses ou omissões. A formação oferecida por elas deve ter enfoque educacional, não promocional. É crucial que as interações entre indústria e profissionais de saúde sejam transparentes, visando sempre o benefício do paciente. Assim, promove-se a inovação e o avanço da ortopedia, sem comprometer a confiança no setor e a integridade da prática médica. Os pacientes particulares, quando têm a disponibilidade financeira, frequentemente optam por dispositivos médicos de última geração, buscando os benefícios de avanços tecnológicos. A capacidade de escolha e a decisão autônoma em saúde são fundamentais para a satisfação do paciente. Desde que os pacientes sejam devidamente informados dos benefícios e riscos e que o dispositivo tenha aprovação regulatória, não há impedimento ético em adotar tratamentos mais caros, respeitando-se o princípio da autonomia do paciente.
A simples análise de dispositivos médicos com base unicamente em sua eficácia técnica revela-se inapropriada diante da contemporaneidade do panorama da saúde. Sublinha-se, assim, a preponderância ascendente dos estudos de custo-efetividade, que objetivam discernir a correlação entre os benefícios e os dispêndios de novas intervenções. A apreciação da qualidade de vida do paciente não se limita a um complemento, mas emerge como um pilar fundamental para compreender os ganhos genuínos de uma terapêutica, ultrapassando meramente os desfechos clínicos. Dessa forma, é imperativo que se estabeleça um equilíbrio entre efetividade, onerosidade e o reverberar na qualidade de vida, consolidando, assim, uma prática médica verdadeiramente alinhada ao cerne das necessidades do paciente.
1. Fazaeli AA, Ghaderi H, Salehi M, Fazaeli AR. Health Care Expenditure and GDP in Oil Exporting Countries: Evidence From OPEC Data, 1995-2012. Glob J Health Sci. 2015;8(2):93-8.
2. Gadelha CAG, Temporão JG. Desenvolvimento, Inovação e Saúde: a perspectiva teórica e política do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 2018;23:1891-902.
3. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência TeIEgDdGoeIaodTeSd. Entendendo a Incorporação de Tecnologias em Saúde no SUS : como se envolver [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Brasília : Ministério da Saúde: Ministério da Saúde; 2016. 34 p.
4. Paiva CHA, Teixeira LA. Reforma sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde: notas sobre contextos e autores. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. 2014;21:15-36.
5. Gomes RdP, Pimentel VP, Landim AB, Pieroni JP. Ensaios clínicos no Brasil: competitividade internacional e desafios. BNDES Setorial, n 36, set 2012, p 45-84. 2012.
6. Damázio L. Desafios da gestão estratégica em serviços de saúde: Caminhos e pespectivas: Elsevier Brasil; 2012.
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8. Vieira MCF. Promoção do acesso e inovação em saúde: alternativas ao modelo baseado na proteção à proriedade intelectual em discussão na Organização Mundial de Saúde: Universidade de São Paulo; 2015.
9. Borssatto AGF. Incorporação de medicamentos imunobiológicos para artrite reumatoide no setor suplementar de saúde do Brasil 2019.
10. Novaes HMD, Soárez PCd. Organizações de avaliação de tecnologias em saúde (ATS): dimensões do arcabouço institucional e político. Cadernos de Saúde Pública. 2016;32.
11. MONTEIRO MCdA. Limites e parâmetros do rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o entendimento do STJ 2022.
12. Clement ND, Deehan DJ, Patton JT. Robot-assisted unicompartmental knee arthroplasty for patients with isolated medial compartment osteoarthritis is cost-effective: a markov decision analysis. Bone Joint J. 2019;101-B(9):1063-70.
13. Clement ND, Galloway S, Baron YJ, Smith K, Weir DJ, Deehan DJ. Robotic Arm-assisted versus Manual (ROAM) total knee arthroplasty: a randomized controlled trial. Bone Joint J. 2023;105-b(9):961-70.
14. Riantho A, Butarbutar JCP, Fidiasrianto K, Elson E, Irvan I, Haryono H, et al. Radiographic Outcomes of Robot-Assisted Versus Conventional Total Knee Arthroplasty: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Clinical Trials. JB JS Open Access. 2023;8(2).
15. Deng G, Smith A, Burnham R. Prospective Within Subject Comparison of Fluoroscopically Guided Lumbosacral Facet Joint Radiofrequency Ablation Using a Multi-Tined (Trident) Versus Conventional Monopolar Cannula. Pain Physician. 2022;25(5):391-9.
16. Arensman RM, Heymans MW, Kloek CJJ, Ostelo R, Veenhof C, Koppenaal T, et al. Trajectories of Adherence to Home-Based Exercise Recommendations Among People With Low Back Pain: A Longitudinal Analysis. Phys Ther. 2023.